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Matando dragões negros

Postado por Ana C. |

   Nunca mais aqueles dias em que caminhava sem saber. Noites insones lutando bravamente contra o que não se luta, guerreira de sonhos-poemas-moinhos-de-vento. Mulher que incendiava os trilhos, de repente disposta a espantar a alma de volta para casa. Vim. Vi. Vivi.
   Depois da desistência (render-se é sempre uma arte) as paredes foram se esgarçando em rendas e nuvens, e nunca mais encontrei o caminho do que outrora chamei de lar. Começava assim a jornada mais difícil, pés voltados para dentro, na descoberta de diamante escondido e bruto, tesouro guardado. No meio da estrada encontrei perdido um eu trêmulo e desamparado, sentindo-se errado, torto e reticente, vertendo caos-confusão-perdição pelas bordas. Sem notar que os respingos que derrubava iam formando arco-íris atrás de si.
   Abracei-o, como quem tenta abraçar o mar.
   Liberta de todas as chances, de todos os anos que busquei mas passei longe de encontrar – enfim chegaste, hora sagrada e sangrenta – assumi o tempo de romper as correntes em meus pés quebrando os elos um a um: cada grito não dado mas que ecoou por dias, semanas, meses, anos, coagulando em minha garganta e me impedindo de dizer coisas belas. Adeus. (Acena com um lenço branco.)
   Alguma coisa arrebentou, alguma coisa se perdeu, alguma coisa mudou. Alegria sem dor. Também as ruas se cobriram de tapeçarias verdes, trepadeiras redecorando placas e semáforos, flores e selva explodindo no aço e no concreto. Será no meio da mata meu novo lar?
   As chaves jazem inúteis e geladas em meu bolso, despidas de coordenada, referência ou bússola. Mesmo que houvesse não serviria: há muito sei que o jardim já engoliu minhas salas e quartos, enchendo todos os cantos de pequenas sementes e cobrindo meus guardados com colorido pólen.
   E isso entrando pela porta da frente, que ficou aberta.
   De propósito.

4 comentários:

Pedro Vieira disse...

"Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio em mim é a resposta a meu - a meu mistério."

Lindíssimo teu texto!
Seja sempre o mundo todo que você já é.
Grande abraço,
Pedro.

Brunão - Sinta o universo. disse...

Parabéns!

Paula de Assis Fernandes disse...

Ana, vc é mto boa!!!
Adoro seus textos!
Bjos

Drica disse...

Será no meio da mata realmente meu novo lar?
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