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A Maçã Dourada

Postado por Ana C. |

       Ou 13 anos depois da partida



   Não foi com alegria a partida, deslumbrado de coisas novas que veria, foi com travo na garganta, com nó de pedras no peito, com olhos ardidos e abismo de remorso. Foi com dor do que deixava, com medo do que viria. Foi sem paz, como se marchasse para a guerra.
   Não, não foi.
   Foi com aquele imenso medo, de amor que quer proteger (e não percebe já estarmos blindados) e se sente só e impotente. Antes desse conhecimento sofremos, é a parte que me cabe nesse latifúndio, quase naufragamos no fundo do poço do desespero e da ignorância. Grotescas marionetes. (Alguém chora escondido.)
   Cega pelas minhas próprias lágrimas e desentendimento, passei anos (re)sentindo ausências infinitas – E onde fazem um deserto chamam-lhe paz. – até alcançar a lucidez: ser capaz de aprender e ser capaz de aguentar o que sabemos. O mais difícil sempre é perder o medo. Quando parece que as emoções vão nos sufocar aí é que devemos afundar de vez nelas, para renascer novos do outro lado. Mas mesmo entre o saber e o fazer vai um tempo.
   Uma das lembranças mais bonitas que tenho é de meu pai, deixando em toda calada da noite uma maçã ao lado da minha cama. “Coma uma maçã por dia e viva mais um ano”. Mesmo ele sendo de poucos gestos carinhosos e palavras, sabia-me amada. Serva de Vênus. Simples assim. Mal sei explicar quanta falta cada maçã não recebida me fez.
   Mas fomos conquistando, com esforço, os méritos necessários para trilhar o caminho de pedra de volta à origem: somos uma mesma luz. Depois de toda luta-estrada-confusão-ressentimentos-brumas-intransponíveis, enfim chegaste, porto seguro. Evoluiu, evoluímos. Não erramos. Apenas tomamos o caminho mais íngreme, árduo e espinhoso, para chegarmos. Precisávamos merecer. E com isso quebrar os elos-ligações-correntes que já nos aprisionavam antes de nascermos, pois basta um rasgo de luz para iluminar muita escuridão. Hoje sabemos dar o devido valor a cada pedregulho da jornada.
   Realmente um bálsamo para minha alma de grande buscadora da verdade, o real início da sua descoberta da luz. Pois só o que é verdadeiro e luminoso é que sobe aos planos celestiais. A luz procura a luz. E respeita o momento de cada um. O discernimento dissolve as ilusões e o amor transforma tudo e todos, sem violentar ninguém.
   Satisfação nas coisas simples: em algum lugar, talvez no Japão, o vento agita folhas e assobia uma canção para um mensageiro dos ventos. Todos ficamos felizes. Saudade é coisa dupla: pode doer desembestada rasgando a capa do peito; pode encharcar a gente de amor e agradecimento pelo que se compartilhou.
   Iniciada nas artes do espírito e do coração, sei que há o lugar onde o amor divino bebe água e cura feridas grandiosas. Sei que você está bem agora. Sei também que onde eu estiver você estará, sempre, no meu corpo, no meu nome, no meu jeito de amar. É só mais uma etapa da jornada, que não termina jamais, mas hoje já consigo ver que toda manhã a vida me deixa uma maçã ao lado da cama. Dourada.
   Paz e luz, meu pai.
   Tudo e em todo lugar.
   Paz e luz.

3 comentários:

Drica disse...

rasguei uma frase e enviei para outrem

ps: pra mim é o texto seu mais lindo que eu já li

Drica disse...

aliás duas, mas uma ainda não enviei

pslc disse...

Não importa aonde, não importa como ele sempre estará contigo, mesmo sem poder fazer nada, apenas admirando o modo de fazer as coisas, vendo você se lembrar das coisas que um dia ele fez. Também achei o mais lindo!