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Morada do Sol

Postado por Ana C. |

Abriu os olhos certa manhã e constatou, assombrada, que todo seu corpo irradiava uma luminosidade etérea. Pensou estar dormindo ainda, virando-se na cama. Mas, sob a coberta, a luz era tal que o sol parecia ter invadido a cama, fulgurante. Resolveu que alucinação ou não, fosse o que fosse, ela não fugiria: há muito sabia que o desconhecido que nos amedronta sempre guarda o maior tesouro no final.

Na rua as coisas pareciam mais nítidas e reais. Descobriu uma beleza caótica onde antes não via nada; descobriu cores em cada pessoa que passava por ela nas ruas, cores bonitas e outras não; descobriu um presságio no pássaro que cruzou, repentino, seu caminho; descobriu perfumes insuspeitos no afago que a brisa lhe fez; descobriu pedras acordadas e pulsantes e árvores que lhe sussurraram segredos ancestrais. Só não descobriu como voltar a ser o que era. Não soube mais.

Como duas pontas que se reconectam, como um raio que ilumina a escuridão, como um fogo suave e terno ardendo debaixo de céu pontilhado de estrelas, soube do amor que ama sem nome. Deixou para trás, no manto da noite, tudo o que fora até então: o que quis e o que não quis, o que lhe obrigaram e o que aceitou de bom grado, o tudo e o nada. Despida, como quem troca de pele, prosseguiu por insondáveis caminhos.

Todas essas palavras guardadas em algum estranho lugar da minha garganta, no meu peito, no meu ser, apenas esperando algo que as liberte, que as ordene nesse redemoinho desconexo. Enquanto esperam, espreitam através de mim testando novas combinações de cores, sons e formas. Todas novas re-significações e sentimentos, inimagináveis. E depois de tudo, a parte que me caberá disso será saber que os caminhos tortos eram realmente o portal correto. O fim de uma busca contínua: medo e amor, onde um está o outro some. Pode ser recompensador, especialmente na longa caminhada, acreditar que a trindade existe – carinho, sexo e amor, pensará você? – um degrau, um descanso para respirar, uma trégua na vida.

Se sem amor não há cura, sem transformação não há alquimia. Nem sempre é fácil impedir que o mal reverbere dentro de nós. (A dúvida nos embala como um berço. Dormimos sonsos e felizes, sonhando com paz.)

Só dói quando respiro.





Tudo espera por você.

3 comentários:

Anônimo disse...

Arrepiadaaaa....nao tão iluminada e sensivel como vc, mas conhecer meus limites e meus medos acaba me acalmando, em partes....Só me resta aguardar o que me espera.

Paula de Assis Fernandes disse...

Ana, que lindooo! Arrepia mesmo!
E que bom que não descobriu como voltar a ser o que era, saber descobrir beleza nas coisas do dia a dia torna a vida da gente mais bonita, mais feliz. Lindo, mesmo.

Behind this letters disse...

Há quem diga que toda a vida é sofrimento... Melhor sofrer que se privar, não há como voltar, e de certa forma, ao mesmo tempo que angustia, dá alívio saber disso... Estamos salvos!