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E passou a se sentir total...

Postado por Ana C. |

Nem se lembrava da última vez que viu o sol nascer ou se por. Desde estações imemoriais era aquela escuridão. Habituou-se às apalpadelas, a viver na penumbra e depois – muito ou pouco, não saberia precisar – sequer sentia falta do calor e da luz (a gente acostuma com tudo).
Não soube quanto mais de tempo se passou, que só ao tempo cabe a medida do tempo, até que um ruído estranho quebrou a quietude do espaço. Um som abafado e um leve agitar do ar parado. Esgueirando-se, lentamente e com cuidado, sentiu-o antes mesmo de tocá-lo. Quente, pulsante, e machucado.
Não saberia definir que pássaro sorrateiro era esse, que invadiu sua escuridão sem o menor pudor ou medo, tocando-lhe de um jeito estranho, falando sem falar.
Foi com uma suavidade insuspeita que segurou o pássaro, arauto de novos dias, e sentiu seu pequeno coração bater descompassado e perdido entre suas mãos. O medo e o desespero de um penetrando nas camadas do outro, como água que banha as fendas da terra ressequida, e lá no fundo fazendo o carvão acordar diamante.
Súbito sentiu falta daquilo que há muito renunciara. Talvez a vida que perdemos sempre ao viver. Vagarosamente, como quem abre uma porta fechada há milênios, resolveu andar pelo caminho que abandonara. Os ossos estalaram, as articulações doeram, a garganta soltou um leve gemido e, resolutamente, contra todas as previsões, ele colocou-se em marcha, segurando o pequeno milagre como o que há de mais precioso.
Alcançou a saída, olhou e nada viu. Tanto tempo... nem sabia mais a diferença de se estar com os olhos abertos ou fechados. O pássaro mexeu-se inquieto, tentando se desvencilhar, mas era ele quem estava pulsante e assustado agora, incapaz de deixá-lo partir. Era o pássaro quem o segurava. Ferido. Nú. Amedrontado.
Então, quando a escuridão parecia eterna, um raio rompeu o véu dos mistérios, rasgando o tempo e a noite profunda dos séculos. A partir de então pode ver as árvores prateadas, banhadas de luar. Sentiu a brisa, morna como uma carícia, e a vibração de uma frequência invisível, tão contínua e elétrica que quase parecia palpável, mantendo tudo funcionando em perfeita sintonia.
Todos somos um, pensou. E esse pensamento foi o que serenou o tambor desenfreado do seu coração, que começou a pulsar na mesma sintonia de todo o resto.
Atirou as mãos para o céu e, enquanto via o pássaro negro se afastar rumo à lua cheia, pensou ainda, maravilhado: bom retorno, irmão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ainda não consegui ler os outros, mas por esse, já dá pra sacar que gosto do teu estilo. Consegui ver cenas lindas, obrigada!
bjos

Drica disse...

que bonito, que bonito ana!
"O medo e o desespero de um penetrando nas camadas do outro, como água que banha as fendas da terra ressequida, e lá no fundo fazendo o carvão acordar diamante.
"