08:37

E outras

Postado por Ana C. |

Sobre as vicissitudes do caminho.

Houve um eu que tinha medo do escuro e que gostava de gibis. Que era pequeno e perdido em uma terra de gigantes e que não conseguia se mover no labirinto. Tímido e desencontrado, arisco a coisas do mundo, nem imaginava que a única forma é se abrir e romper as barreiras, como quem se liberta da armadura, ainda que lentamente, com um abridor de latas.

Houve um eu que sofreu mais do que se pode escrever, que perdeu um pedaço do coração, mas que continuou, ainda que cambaleante. Que soube que a dor é espinho que não se quebra e não se arranca, mas que se aprende a prosseguir ainda que lateje de vez em quando.

Houve um eu que ansiou profundamente, experimentando a grande chaga de ser incompleto. Depois quis nunca mais querer. Mas perdeu o medo e se aqueceu ao sol.

Houve um eu contraditório e cinza, o que permitiu hoje sentir mais intensamente a cor e o perfume das flores pelo caminho.

Houve um eu que tentava se agarrar onde não há sustentação. Que tentou lutar contra o que não se luta, mas aprendeu que sempre existe uma forma. Que esqueceu, duvidou, que não quis, que negaceou. Só para no fim lembrar que destinação não se atravanca.

Houve um eu que odiou com tanta força que não percebeu que o ódio é só o verso da moeda do amor. Que viveu tudo intensamente e em excesso, só para poder descobrir nas pequenas coisas a grandeza da vida.

Houve um eu que nunca duvidou, que sempre soube ouvir o barulho do vento nas árvores e sentir o gelado da grama pela manhã. Então desejou e teve, e será grato por milênios e milênios, até o céu mudar de cor.

Houve um eu que tinha medo de alturas mas pulou no precipício para voar com a águia e sorriu ao sentir o vento bater no rosto e o sol banhar seu corpo.

Houve um eu transpassado que sublimou e atravessou, e sequer imaginava o oásis encantado que existe no deserto.

Hoje.

                   Sou.

Eu.

1 comentários:

Paula de Assis Fernandes disse...

Ana, é seu. Mas é tão meu! Você é foda, sério!