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Tempo de jasmins?

Postado por Ana C. |

- Assim não dá mais. Esse desassossego já tomou proporções gigantescas. Vou ter que falar, rompendo o tratado comigo mesmo. Já queimei os navios e não sei mais como voltar, a praia longe, e eu aqui onde não dá pé, engolindo água. Não quero mais padecer, não quero me afogar.

- Tenho muito medo de afogamento. Deve ser angustiante você querendo respirar e não conseguindo. Bobos aqueles que dizem que deve ser doce morrer no mar, isso sim.

- Sabe lá o que é consumir-se até as cinzas? Isso me queima e devora por dentro. Logo eu, criatura do fogo, consumido em chamas. Sabe lá o que é essa grande ausência crepitando crepitando crepitando? Sabe lá o que é amar?

- Fogo é ainda pior. Você lá, ardendo, sentindo o cheiro da sua própria carne queimando queimando queimando... sabe que eu acho que já morri assim antes?

- Já roubou meu juízo, minha alegria. Só perdas e danos. Rouba-me a vida, e só me deram essa! Se eu quisesse enlouquecer não conseguiria, como não quero deu nisso. Só quero minha paz de volta e nem isso eu consigo.

- Enloucresça, disse o poeta.

- Se eu fosse poeta saberia como me defender. Eu lhe exorcizava. Fazia uma poesia tão pesada que tirasse todo esse sentimento de mim e então a queimava. Ou, em pedacinhos, soprava ao vento ela e você, pra bem longe de mim. Ou melhor: fazia uma poesia com a leveza de uma menina dançando na praia e todos a repetiriam vida afora e, de tanto ouvir meu amor repetido por aí, ele se esvaziaria. Escorreria pro mar aberto.

- Eu gostaria de estar dançando em uma praia nesse exato momento. (Ensaia passos pela sala).

- Mas não sou poeta, só mais um imbecil a se repetir. Nem arrancar você de mim, nem pintar o céu de vermelho, nem agarrar uma estrela azul, nem escrever uma poesia ou uma canção com essas minhas mãos, nada, estas mãos, as mesmas de matar. Como matar algo dentro da gente sem morrer junto!? Pare de dançar!

- ...

- Tomara que pelo menos a morte me leve, pra não lhe ver tanto, sempre, em todos os segundos e em todas as visões, disse outro poeta. É bom saber que não sou sozinho nessa dor, nesse aperto no peito. Fiquei doente, dos olhos, dos nervos, meu coração ardeu formulando poemas em brasas até. Esses dias a dor foi tão forte que quase fui pro hospital, achei que infartava. Mal posso falar, você atravanca minha garganta. Não posso dormir, você se atravessa em meus olhos.

- Uma vez também fiquei dois dias sem dormir. Estava tendo alucinações já, bem engraçado, como se eu estivesse no mundo e não estivesse.

- E, quando cochilo, vejo-me banhado em sangue. Acordo assustado, suando frio. É fato: você está me matando!

- Sério!? Nunca sonhei com sangue... só uma vez que um anão me esfaqueou, e você sabe o medo que eu tenho de anão, mas pensando bem não sangrou não. Eu acordei antes.

- !?

- Foi. Eu ia caindo e pensando “morri” mas, antes de chegar no chão e morrer de fato, eu acordei.

- ! Sobre tudo o que eu lhe disse! Você não ouviu!? Não sente nada?

- Sinto...

- E então?

- Inveja.

1 comentários:

Coiote disse...

Pois é! Metade das palavras é o que se diz, e a outra o que se escuta.