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Sobre homens e poetas

Postado por Ana C. |

Nunca me esquecerei da primeira e única certeza que tive na vida. Foi anos atrás, numa noite de vento impiedoso, lua cheia no céu e copo pelo meio na mesa do boteco ao lado da universidade. Com toda a convicção que havia contei para o amigo-guru, constrangida, que eu não tinha a menor ideia do que seria da minha vida, e nem me importava, mas que a única certeza que eu tinha era de que eu ia casar com um poeta, um dia. Ele sorriu, como quem diz que os poetas já morreram, mas no fundo achando muito bonito esse meu sonho.
O problema é que os poetas não são, nem nunca foram, homens de verdade. Tanto que é quase impossível acreditar que o poeta Vinícius, aquele que cantou todos os meus amores e se atirou nove vezes no precipício, era um cara machista. Pois hoje eu acredito que talvez fosse mesmo. O Vinícius homem, digo eu. Porque o poeta nenhuma farpa poderia desmerecer. Vai ver é esse o problema, viver com um pé na terra e outro nas estrelas não deve ser nada fácil mesmo.
E embora tenham a tal sensibilidade para mudar o corriqueiro, deixar bonito e luminoso aquilo que estamos acostumados a ver sem perceber, sem glamour nenhum, áspero e rude, e colocar uma certa doçura nessa secura sem fim que é o viver, o fato é que não passam de simples homens.
E nem digo homens, aqueles desesperadamente aguardados, com poemas em flor e a decisão, e coragem, que toda história precisa e merece. Muitos deles, na verdade, mesmo que adultos não passam de meninos, que ainda adolescem com o coração sangrando sem saber ao certo o que fazer com o corpo, de súbito desengonçado, e com as vontades, de súbito avassaladoras.
Sim, esse desencontro deles, o cair no fogo e arder em mares de perdição, a capacidade de iluminar toda a escuridão, sempre me fascinou (e se você se sente atraído pelo abismo ele também se sente atraído por você). Mas flertar com o belo, anotar frases para nunca mais usar, escolher as palavras certas, não é coisa de poucos, descubro eu. E desse jeito, dons à parte, existem por aí inúmeros poetas do dia a dia, capazes de extrair um pouco de beleza desse mundo cinzento. (E por que não eu? Assim eu deveria me bastar. E pronto.) E devemos mesmo cotidianizar a poesia e poetizar o cotidiano.
Assim, e é aí que as coisas se modificam, escrever poesia não é viver poesia.
Embora seja muito bonito escrever algo que toque outros, e bonito é o desnecessário, não deixa de ser inútil e solitário se o dito poeta é incapaz de encher de beleza sua própria existência, poetizando o todos os dias.
Digo isso pelos poetas perdidos, desacreditados de si mesmos, olhos vendados, mais interessados em tolices do que na beleza que podem criar no mundo. Talvez precisem ser assim mesmo, o bom e velho caos como força motriz da criação. Ou, e as coisas são sempre vésperas, ele ainda não entende pois é só o poeta antes dO poeta. Como acontece, às vezes, quando a gente acredita que é o amor que veio para ficar quando, na verdade, não passava do amor antes dO amor.
E voltando àquele sonho antigo... Desisti, mas não de todo. Continuo acreditando naqueles que vivem realmente a poesia e enxergam com olhos que não são desse mundo. Mas hoje percebo que, talvez, pelo menos por enquanto, o melhor seja mesmo só um homem normal, desses com uma simples alma de poeta, e não o poeta propriamente dito (humano, demasiado humano). Só um homem normal...
Mas, para isso, que os homens normais sejam extraordinários.

5 comentários:

Paula de Assis Fernandes disse...

Ana, que lindo. E que os homens normais sejam realmente extraordinários. =)

Anônimo disse...

Chego a pensar que a poesia está dentro da gente, e so da gente. Se largar no abismo é pra poucos, e alguns vivem solitarios em abismos intocados e guardados a sete chaves. Não penso em querer um poeta, mais também nao quero um homem demasiado humano. Quero um hiem diferente de todos que eu ja encontrei, que me faça flutuar sem tirar os pés do chão, e que devolva meu chão quando eu perder a noçao.
Lindo o texto, tocando na ferida como sempre.
Dramas da vida privada.

Drica disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Drica disse...

tem muito homem extraodinário por aí mas não sei se normal. e é o que me encanta.
:]

Giuliano Gimenez disse...

tentei ser normal, aí me enderecei num envelope pardo para a casa de uma dama... mas acabei voltando ao escaninho de saida.

=[