11:32

Sobre homens e formigas - (Resgate 2)

Postado por Ana C. |


Esquece-se que a pedra não voa porque não quer, não porque não tem asas.

Quando criança, numa das minhas tardes de solidão, resolvi que ia criar formigas. Vi no colégio uma “fazenda” de formigas e achei lindo os caminhos que elas abriam nas camadas de terra e areia. Centenas e centenas de pontinhos pretos correndo sem parar de um lado para o outro, indo aonde com tanta pressa!? E talvez por isso mesmo, como todas as coisas inúteis e vãs, era belo.
Fui então produzir a casa da minha formiga – sendo eu uma só era justo que também fosse apenas uma formiga para não acarretar muita responsabilidade. Peguei um pequeno pires de plástico azul e coloquei água, as formigas também sentem sede, não?, separei várias pedrinhas, os mais alegres enfeites, vários tipos de plantinhas, é isso que elas comem, não?, além de uma xicarazinha (conjunto com o pires) para servir de montanha caso a formiga resolvesse praticar esportes ou viver emoções radicais.
Após ter verificado estar tudo que, supostamente, uma formiga precisaria para viver, fui escolher minha nova amiga. É. Foi um processo seletivo rápido: peguei uma “gordinha”, para poder visualizá-la facilmente, e soltei-a no lar que eu tinha cuidadosamente preparado.
A formiga nem deu atenção.
Tentava fugir do paralelepípedo da calçada mas eu, teimosamente, empurrava-a novamente para ver todas as maravilhas que eu construíra. “Deve ser fome”, pensei. Coloquei então uma panela de plástico sobre a casa, afinal toda casa tem um teto, sem falar que o sol podia fazer mal para a minha amiga ainda sem nome, tão pequena, coitadinha, e fui achar algo que ela comesse. Talvez só gostassem de açúcar, que eu já tinha visto formigas em doces, e não de matos e pedaços de plantas.
Quando voltei ela não estava mais lá.
Eu tinha preparado com todo carinho o espaço para ter aquela formiga e ela havia me abandonado. Fugiu. E fugiu por nem sei qual brecha que por mais que eu olhasse não encontrava nenhuma. O que diabos será que aquela formiga queria da vida!? Ser morta por algum outro bicho maior que ela? Por que não ficar ali? Eu não entendia como ela podia ter preferido qualquer outra coisa a tudo que eu tinha lhe feito...

Hoje... vai ver... eu sou uma formiga.

3 comentários:

Xico disse...

Muito interessante, no fundo todos somos formigas, ou deveriamos ser!

Devaneios, devaneios... disse...

E se um dia decidíssemos nos aventurar, e viajar com a formiga?

Devaneios, devaneios... disse...

Não é interessante como quando, ao navegarmos por um oceano cibernético que sequer existe, encontramos pequenas ilhas imateriais tão parecidas com a nossa ilha natal, ilha criada com palavras que representam uma vida e um viver, tão semelhante ao todos os outros no seu modo de ser individual, leve de se ler, nos faz aportar e ficar um pouquinho mais para se ver os ares, só porque ali sopram ventos que nos fazem sentir positivamente nostálgicos, em contato, de alguma forma, com nossa própria ilha natal, ainda não criada, mas já existente.
Nos sentimos viajantes do infinito intangível e contraditoriamente palpável espaço de palavras, criado com maestria juvenil que beira a puerilidade... de forma tão... madura.
Seus meros desabafos, como os define, são escritos de forma leve e magistral, e se um dia virarem um livro (por que não?), já terão conquistado um leitor.