– Vou embora.
– Esqueça do depois. Deixa o copo encher até a borda, deixa a música acabar, as estrelas caírem. Deixa nossos antigos sonhos repousarem – dilacerados e nobres finda a batalha – pelo chão, ensanguentando avenidas e formando um tapete vermelho para os que vierem nos resgatar.
– Nem sempre é possível resgate.
– Não importa. Morri numa noite sem lua, da torre mais alta me atirei, queda na escuridão, repouso no fundo lodoso de rio. Despertei em um novo mundo, vagando a esmo pelos campos. Não me interessa o resgate.
– Se eu ficar a história acaba. Close para o fim.
– Podemos distorcer o enredo. Criar novos problemas e novas soluções, infinitamente.
– Se esticarmos a história ela vai se esgarçar e perder a força. Mesmo as melhores histórias sempre têm um fim.
– Fique. (Ajoelha-se.)
– Não posso.
– Então vá logo! (Levanta-se com raiva.) Agora sou eu quem quer que você vá. Vai! (Abre a porta com estrondo, sangue nos olhos.)
– Eu já estava indo. (Fala com infinita ternura e lhe toca a face.) Fique bem.
Só. Apartamento silencioso. Lentamente, quase de arrasto, vai até a janela. Olha para baixo: o chão perto e faltando muito lance de escada para a torre mais alta. Olha para cima: uma lua quase cheia banha-lhe de prata, sabedoria de quem já viu tudo. Suspira. E começa a juntar os cacos de seus planos, que se esparramam perigosos pelo chão. Sem se cortar.